Um grupo de quase 20 pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa da esfera pública formou um complexo de pesquisa a fim de produzir moléculas para medicamentos. A previsão é de que a nova legislação que viabiliza o estudo de riquezas da natureza, como plantas, animais terrestres e marinhos, possa dar respaldo à consolidação dessa rede, situada em São Carlos, a cerca de 250 kmda capital paulistana.
Os detalhes do projeto foram apresentados pelo físico Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), que lidera a rede que está alocada no município. Oliva proferiu palestra na sexta-feira, 17 de julho, último dia da Reunião Anual da SBPC, na Universidade Federal de São Carlos (UFScar).
Além da chamada Lei da Biodiversidade, que permite o estudo das riquezas da natureza para o desenvolvimento de produtos com maior valor agregado, Oliva também deposita expectativa positiva no novo Código de Ciência, Tecnologia e Inovação (Projeto de Lei nº 2177/2011), que pode eliminar entraves que emperram a produção de fármacos no Brasil, grande dependente de medicamentos internacionais. O País acumula déficit histórico superior a US$ 10 bilhões por ano. O PL nº 2177 foi aprovado recentemente na Câmara dos Deputados e agora irá tramitar no Senado Federal.
Sob a liderança do IFSC, a rede de pesquisa é formada por especialistas de outras cinco instituições: Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), da Fundação de Amparo a Pesquisa de São Paulo (Fapesp); cientistas da UFSCar; da Universidade Estadual Paulista, do campus de Araraquara. Há cientistas também da Faculdade de Ciência e Farmacêutica de Ribeirão Preto; e do Instituto de Química da Unicamp, que é reconhecido internacionalmente pela síntese de moléculas.
Essa engenharia foi montada para atender toda a cadeia necessária para o desenvolvimento de fármacos. “Combinamos, nessa rede, quem prospecta, quem testa e quem sintetiza, para tentar avançar no desenvolvimento de moléculas realmente potenciais para fármacos”, disse o ex-presidente do CNPq.
Fármacos fitoterápicos em desenvolvimento
Um dos desafios do grupo de cientistas é investir na capacidade de bioprospecção da biodiversidade. Ou seja, encontrar moléculas na natureza potencialmente candidatas para produção de medicamentos; e depois testá-las em modelos biológicos experimentais in vivo e in vitro, em São Carlos, e em outros centros da rede. Depois disso, sintetizar as obtidas ou modificadas e, em seguida, otimizar as propriedades farmacocinéticas, toxicológicas ou as atividades das moléculas selecionadas.
Dentre os projetos mais importantes em desenvolvimento estão alguns voltados para o tratamento de câncer e doença de Chagas. Outro projeto interessante, na visão do físico do IFSC, é o desenvolvimento de extratos de plantas medicinais como potenciais fármacos. Um exemplo é extrato da planta Erythrina mulungu, nativa da Mata Atlântica do Brasil, estudada pelo grupo de cientistas da Unesp em Araraquara e que apresenta atividade ansiolítica importante para o sistema nervoso central. As propriedades purificadas desse extrato têm propriedades semelhantes à fluoxetina e bromazepam (vendidas no mercado como Prozac e Lexotan, respectivamente), uma versão natural dos químicos comercializados com controle de tarja preta. Por isso, o medicamento vem sendo chamado de “prozac fitoterápico” ou “prozac natural”. A patente do fitoterápico foi registrada no INPI há quatro anos.
Agora a busca é por empresas interessadas nessa inovação. Havia uma empresa parceira para o uso comercial desse produto. Aliás, tinha iniciando os ensaios clínicos, a fase mais onerosa do processo. Por razões econômicas, porém, desistiu desse projeto. “Agora estamos buscando outros parceiros”, disse Oliva.
Lei da Biodiversidade e Código de C&T
Um dos benefícios que a chamada lei de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados (Lei 13.123 de 2015 ) pode trazer a esse fitoterápico, por exemplo, caso venha a ser comercializado, é o fato de os pesquisadores não serem penalizados. A legislação anterior multava pesquisadores interessados em estudar as propriedades da natureza.
O ex-presidente do CNPq também faz uma análise positiva de pontos do novo Código de Ciência, Tecnologia e Inovação (Projeto de Lei nº 2177/2011). Um deles é o ponto que estimula parcerias de empresas com universidades e institutos de pesquisas. Ou seja, a empresa passa a ter prioridade no registro da patente quando for “co-titular” do conhecimento gerado em parceria com universidades ou institutos de pesquisa desde o início da pesquisa. A legislação em vigor não permite isso, porque o licenciamento da patente é viabilizado por licitação pública, fator que, para especialistas, é uma injustiça, uma vez que a empresa investiu na geração do conhecimento, mas tem que concorrer com outras empresas que não contribuíram para o desenvolvimento projeto.
Fonte: Jornal da Ciência