Em três anos, a saúde suplementar perdeu três milhões de usuários, que foram engrossar as filas do SUS. No ano passado, os reajustes nas mensalidades foram equivalentes a quatro vezes a inflação oficial (13,55%, contra 2,95%). Essa nova realidade ampliou as discussões sobre mecanismos para regular o uso dos planos de saúde, como franquia e coparticipação, novas fórmulas para o aumento das mensalidades e mudanças na forma de atendimento aos beneficiários. Apesar de um em cada cinco brasileiros ter plano de saúde —47,3 milhões de pessoas —, o tema ficou praticamente à margem do debate na eleição presidencial.
Debate. Operadoras de planos de saúde avaliam que aumentar a regulação sobre contratos coletivos poderia resultar em redução da oferta do serviço. Hoje, a ANS regula apenas os individuais
O setor, que movimentou R$ 179,3 bilhões, em 2017, aparece em uma única linha do programa de governo do candidato Jair Bolsonoro (PSL), no item que trata de credenciamento universal de médicos: “Todo médico brasileiro poderá atender a qualquer plano de saúde”.
A saúde suplementar ocupa um parágrafo do material do candidato Fernando Haddad (PT), no item que trata da “Saúde como direito fundamental”. O programa afirma que o governo atual criou regras que prejudicam os usuários de planos de saúde, rejeita a proposta dos chamados “planos populares”, com coberturas restritas, e afirma que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são essenciais para “reduzir os gastos dos trabalhadores, das famílias e dos empregadores com remédios, planos, médicos e hospitais”. Diante da falta de informações detalhadas nos planos dos candidatos sobre o tema, O GLOBO enviou um questionário com perguntas para as duas campanhas. Os assuntos abordados incluem aumento de preços, custos do setor, oferta de serviços e regulação pela ANS. Desde segunda-feira foram feitas tentativas de contato por telefone, e-mail e mensagens por WhatsApp para esclarecer a visão de Bolsonaro sobre o setor, mas não houve retorno. No primeiro turno, O GLOBO já havia tentado obter informações sobre o tema e procurou assessores do candidato por e-mail e telefone ao longo de três semanas, mas não obteve resposta.
POLÊMICA DOS REAJUSTES
A campanha do candidato do PT informou que o “setor suplementar precisa atuar de forma articulada com o SUS para garantir mais saúde à população”. Por e-mail, foi dito ainda que Haddad trabalharia com o setor para identificar medidas que garantissem a sustentabilidade das operadoras, mas que oferecessem um modelo de atenção mais integral e voltado para os usuários. “Toda ação do governo será orientada para a redução de valor cobrados dos usuários”, respondeu a assessoria ddo candidato petista ao GLOBO.
O governo, acrescentou a campanha, vai cobrar mais transparência dos planos e a implantação de prontuários eletrônicos — medida que prevê o compartilhamento de dados entre o SUS e a rede privada, visando a elevar a eficiência no atendimento. A campanha faz a ressalva de que é necessário proteger dados sensíveis dos cidadãos. Além disso, outra proposta é introduzir formas de controle do reajuste dos planos coletivos, que representam a maioria do mercado, mas não são regulados pela ANS. Na avaliação de Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em Saúde do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), as propostos dos dois candidatos são muito diferentes. —Se considerarmos, por exemplo, as dez pautas prioritárias do Idec nessas eleições em relação à saúde, que inclui o SUS, Bolsonaro teve 13,33% de adesão às propostas, apesar de não mencionar planos para o setor suplementar. Já o programa de Haddad adere a 73,33% das pautas. Contudo, falta ao candidato do PT esclarecer vários pontos, como quais serão os critérios para indicação de diretores à ANS e como pretende promover mais transparência no setor.
POLÍTICA DE LONGO PRAZO
Para o médico Marcio Meirelles, um dos fundadores do Observatório da Saúde — ONG criada para analisar assuntos relacionados à prevenção e à promoção da saúde no país —, apesar de ser desejável que os planos privados e o SUS trabalhem em parceria, há muita dificuldade de colocar esse projeto em prática.
— As medidas propostas para isso estão em desacordo com os interesses dos planos de saúde: transparência na utilização de recursos, controle de reajustes dos planos coletivos e proteção da ANS de interesses políticos. Também favorável a uma atuação mais articulada entre serviços públicos e privados, a presidente da Federação Nacional da Saúde Suplementar (Fenasaúde), Solange Beatriz Palheiro Mendes, acrescenta que toda proposta de aumento de transparência é bem-vinda pelo setor. Ela pondera, no entanto, que a ideia de proteger o consumidor pelo controle de reajustes dos planos coletivos, prevista no programa do PT, pode ter consequências desastrosas. O controle de reajustes dos individuais, disse, levou ao sumiço desse tipo de contrato do mercado. Hoje, os planos coletivos representam cerca de 80% do total. A Fenasaúde defende, inclusive, uma política de reajuste mais liberal para os planos individuais, que permita aumentos acima do teto estabelecido pela ANS quando houver apresentação de dados que comprovem a necessidade de percentuais maiores. Para Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), o próximo governo deveria trabalhar em uma política de Estado para a saúde, de longo prazo, que mobilizaria não só o Ministério da Saúde, mas os da Fazenda, Educação e Planejamento: — Numa política mais ampla, poderíamos trabalhar desde a formação do médico até o controle de importação de equipamentos, direcionando-os, por exemplo, para áreas sem infraestrutura.
Fonte: O Globo