Apesar dos esforços da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para conter o avanço das irregularidades no atendimento dos planos de assistência médica, os consumidores continuam sofrendo com serviços de má qualidade. O órgão registrou, em agosto, o maior índice médio de reclamações da série histórica, iniciada em setembro de 2010. Mesmo sendo um dos itens que mais têm pesado no orçamento familiar, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), os convênios não correspondem aos valores cobrados. Os clientes têm dificuldades para acessar até os serviços mais básicos, como agendamento das consultas. Nos casos de procedimentos de alta complexidade, ter retorno dos planos se tornou um golpe de sorte — na melhor das hipóteses.
As operadoras de grande porte, com mais de 100 mil beneficiários, lideram as reclamações, com índice de 0,76 — quanto mais próximo de um, pior o indicador —, seguidas pelas empresas de pequeno (0,72) e médio (0,63) portes. A ANS considera, para a construção do índice, a média do número de queixas nos últimos seis meses para cada conjunto de 10 mil clientes. Só no último semestre, a agência recebeu 28.734 denúncias relacionadas ao setor.
Sem surpresas
Coincidentemente, os primeiros lugares do ranking de maus prestadores de serviços são ocupados pelos convênios de operadoras que tiveram os serviços de comercialização suspensos em junho deste ano, por não cumprirem os prazos máximos para atendimento. À época, foram suspensos, por três meses, 268 planos de 37 companhias. Deles, 133 — de 13 empresas — estão entre os dez primeiros campeões de queixas dos três grupos. O resultado dessa intervenção da ANS será detalhado hoje.
Para o diretor do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin, os dados do órgão regulador não surpreendem. Ele acredita que a proibição de venda de planos deveria ser atrelada a um prazo limite para a contratação obrigatória de novos funcionários. “Caso contrário, os serviços não vão melhorar. O que vemos com os convênios médicos é semelhante ao ocorrido, recentemente, com as empresas de telefonia. As operadoras venderam linhas para mais clientes do que eram capazes de atender”, explicou.
Tardin afirmou ainda que, mesmo sob o risco de suspensão pela ANS, atraso no agendamento de consultas, falta de cobertura de exames e cirurgias, venda casada de serviços e percentuais de reajuste são as queixas mais recorrentes. “Uma consulta com um psiquiatra não sai antes de 90 dias em várias localidades. No caso de um médico dermatologista, o atendimento pode demorar até dois meses”, disse.
Um levantamento do Procon de São Paulo agrega à lista de queixas as armadilhas impostas nos contratos. Elas lideram a lista dos 6.120 denúncias recebidas pelo órgão somente no primeiro semestre deste ano. Mas, para a diretora de atendimento ao consumidor do Procon-SP, Selma do Amaral, é preciso ressaltar, também, o sofrimento dos consumidores que têm procedimentos negados — vários deles, quando as pessoas já estão internadas, correndo risco de morte. “Para não caracterizar falta de cobertura, as operadoras não esclarecem, de forma imediata, se cobrirão ou não os pedidos médicos. O consumidor fica sendo jogado entre o prestador de serviço e o plano de saúde e, no fim, não consegue o serviço pelo qual pagou”, afirmou. Não à toa, a ANS abriu consulta pública, no mês passado, para obrigar às empresas que informem, em no máximo 48 horas, o porquê de terem negado atendimento.
Para a coordenadora institucional da associação de consumidores Proteste, Maria Inês Dolci, o sistema privado de saúde está sobrecarregado. “O paciente não consegue o acesso que necessita, com a urgência que precisa. Nós temos uma quantidade grande de usuários, e as redes assistenciais são as mesmas que atendem a várias operadoras. Isso tem que ter uma solução estrutural”, afirmou.
Procuradas pelo Correio, a Sul América informou que a seguradora tem uma estrutura específica para o atendimento de reclamações. O sistema Unimed afirmou que busca permanentemente a qualidade de atendimento aos seus clientes. As outras empresas que lideram os rankings da ANS não responderam até o fechamento desta edição.
Fique ligado
Em junho, a ANS decidiu restringir a comercialização dos planos de saúde que não cumprissem o prazo máximo para consultas e exames fixado pelo órgão em dezembro do ano passado. Pela regra, as operadoras têm até sete dias úteis para realizar os atendimentos referentes à consultas básicas como pediatria, clínica médica, cirurgia geral, além de consultas odontológicas, de ginecologia e obstetrícia. Para as outras especialidades, o prazo é de 14 dias. No caso de serviços de diagnóstico por laboratório de análises clínicas, o procedimento deve ser realizado em até 3 dias.