Nada foi mais benéfico para as empresas farmacêuticas brasileiras do que os remédios genéricos, cópias perfeitas do medicamento de referência. Graças aos medicamentos sem marca, em 13 anos, o equilíbrio de forças do setor foi completamente alterado. Os laboratórios de capital nacional passaram a competir de igual para igual com potências internacionais do setor, como a suíça Novartis, a americana Pfizer e a francesa Sanofi-Aventis, entre outras. Um exemplo disso é o grupo EMS, do empresário Carlos Sanchez, o atual líder de mercado, que ocupava a 29ª posição em 1999. Mas essa fórmula de crescimento começa a ficar desgastada.
Nem tanto pelas receitas de genéricos, que cresceram 29% nos primeiros 11 meses de 2012, o que representa 22% das vendas de medicamentos no Brasil. O problema é que, no curto prazo, não há nenhum grande blockbuster com patente prestes a vencer, como o Viagra, para tratar disfunção erétil, ou o Lipitor, que combate o colesterol, que acrescentaram bilhões de reais aos cofres dos laboratórios nacionais quando suas cópias chegaram ao mercado. Em 2013, por exemplo, o faturamento dos remédios que perderão patente no Brasil somará pífios R$ 170 milhões, de acordo com a consultoria americana IMS Health. Mas há vida após os genéricos.
A próxima onda da indústria farmacêutica responde pelo nome de biossimilares. Trata-se de cópias aproximadas de medicamentos biológicos, já que não podem ser reproduzidos de forma idêntica, como fazem os genéricos em relação às drogas sintéticas. É uma transição e tanto para o setor, que pode ser comparada à troca das barulhentas máquinas de escrever pelo computador. Desta vez, os fabricantes nacionais resolveram unir-se para entrar na fase 2.0 dos remédios sem marca, criando duas empresas. De um lado está a Orygen Biotecnologia, cujos sócios são Eurofarma, Cristália e Biolab – a Libbs deixou a joint venture em janeiro deste ano.
De outro, encontra-se a Bionovis, formada por EMS, Aché, Hypermarcas e União Química. “É um projeto de dez anos, para ajudar a cobrir o déficit da balança comercial brasileira com medicamentos e para ganharmos capacidade de exportação no setor”, diz Odnir Finotti, presidente da Bionovis. “Será algo parecido com o promovido no setor aeronáutico, pela Embraer.” Cada uma das novas organizações precisará investir cerca de R$ 500 milhões para produzir os seus primeiros remédios biosssimilares. É fácil entender por que esses laboratórios, acostumados a competir acirradamente nos balcões das farmácias, se uniram.
Há um potencial avaliado em R$ 2 bilhões de vendas anuais a ser explorado em medicamentos biológicos que estão perdendo as suas patentes no País. Mais: dos dez remédios de maior valor de negócio no mundo, em 2016, oito serão biológicos, segundo a empresa de pesquisas britânica EvaluatePharma. Juntos, somarão vendas globais de US$ 55,5 bilhões. “Existem centenas de medicamentos biológicos sendo desenvolvidos em laboratórios ao redor do mundo”, diz Andrew Simpson, presidente da Orygen, que respondeu nos últimos dez anos pela direção científica do Instituto Ludwig para Pesquisa de Câncer, em Nova York, e coordenou o Projeto Genoma no Brasil. “A variedade de remédios possível é quase infinita.”
REINVENÇÃO Muitas das gigantes do setor farmacêutico estão direcionando fortemente suas apostas para esse campo, como Roche, Novartis, Bristol-Myers Squibb e Pfizer. O desafio das pioneiras dos biossimilares é ganhar parte desse mercado por meio de opções mais baratas que os remédios de marca. “Uma molécula biológica é centenas de vezes maior do que uma sintética”, afirma Simpson. Isso se traduz em gastos maiores. Enquanto a produção de um genérico custa em torno de R$ 1,5 milhão, o de um biossimilar pode variar entre US$ 50 milhões e US$ 150 milhões. “Não adianta só mudar a linha de compressão e de embalagem, como se faz para produzir um genérico”, diz Nelson Mussolini, vice-presidente da Sindusfarma, o sindicato setorial. “É preciso reinventar o medicamento.”
Por se tratar de copiar um processo de crescimento de células vivas, que são manipuladas e passam por mutação em laboratório, a necessidade de testes clínicos em pacientes também é muito maior no biossimilar. As agências regulatórias do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa exigem que testes humanos comprovem que o medicamento tem o mesmo efeito do produto de referência que pretende copiar. “Apenas as pesquisas clínicas de remédios para câncer podem custar R$ 50 milhões”, diz Finotti, da Bionovis. Além do alto valor de investimento, as chances de um remédio biológico não vingar, durante a fase de desenvolvimento, são maiores do que a de um genérico.
“No último ano, muitas empresas internacionais abandonaram projetos de biossimilares em fases avançadas”, diz Simpson. Outro obstáculo para as empresas brasileiras está na competição com países mais avançados nos fármacos biológicos, como Índia, Argentina, e principalmente, a Coreia do Sul, onde as gigantes LG e Samsung entraram no negócio de biossimilares. Mas, mesmo que o mercado externo se mostre muito competitivo, a Bionovis e a Orygen já nascem com um grande cliente garantido. Praticamente todos os medicamentos biológicos consumidos no Brasil são pagos pelo sistema governamental de universalização ao tratamento médico.
Isso porque eles são remédios de altíssimo custo, voltados a doenças raras e complexas – como doenças autoimunes e câncer –, que os consumidores não costumam conseguir pagar com os próprios recursos. Isso leva a uma situação em que 3,7% do volume de remédios comprados pelo governo representa 32% dos seus gastos. O setor público também não deve se restringir ao papel de cliente principal das empresas. O BNDES participou das discussões para a formação das duas empresas e indicou a seus acionistas o interesse de investir nos projetos. Antes de tudo isso, resta saber quando os biossimilares nacionais começarão a chegar às mãos dos brasileiros.
Entre as suas diversas fases de desenvolvimento e aprovação, um remédio do tipo pode demorar mais de sete anos para ir a mercado. Como forma de reduzir o tempo de lançamento, a Bionovis e a Orygen estão em fases finais de acordos com empresas internacionais, para transferência de tecnologia. “Depois desses acordos, a previsão é de que os primeiros biossimilares possam chegar ao mercado em cerca de três anos”, diz Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, associação de farmacêuticas brasileira que deu início às discussões para a criação das duas empresas. É uma aposta arriscada, mas que pode garantir o futuro da indústria nacional de medicamentos.
Fonte: IstoÈ Dinheiro