A inovação está no DNA da indústria farmacêutica. Não à toa, é um dos setores industriais que mais investem em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I). Os laboratórios nacionais injetam de 6% a 7% do faturamento em inovação, sendo que alguns chegam a destinar entre 10% e 12%, padrão da indústria farmacêutica mundial, segundo o Grupo FarmaBrasil, que congrega as grandes empresas brasileiras da área: Aché, Biolab, Cristália, EMS, Eurofarma, Libbs, Bionovis e Orygen. “É uma das poucas áreas em que a indústria brasileira está efetivamente fazendo um esforço permanente e de longo prazo em inovação”, afirma Reginaldo Arcuri, presidente do grupo FarmaBrasil. “Esse movimento começou há menos de 20 anos, com a criação da Anvisa e a lei dos genéricos, que exigiu uma adaptação da indústria farmacêutica nacional, tornando-a mais moderna.”
Segundo Arcuri, há cinco anos as empresas percebe¬ram que era necessário dar outro salto, o dos medica¬mentos biotecnológicos, fármacos de alta tecnologia à base de proteínas de células de organismos vivos modifi¬cadas geneticamente voltados para o tratamento de do¬enças autoimunes, como câncer, Alzheimer e esclerose múltipla, entre outras. Isso acabou gerando no país um volume de inversões em biotecnologia entre o ano pas¬sado e este ano de R$ 2,2 bilhões. Já as inovações na área de medicamentos de síntese química, tanto em pesquisa radical quanto incrementai, consumiram outros R$ 766 milhões em PD&I somente de janeiro a agosto de 2015 – volume 24% superior ao investido no ano de 2014. “Estamos vendo um novo setor de classe mundial com foco na inovação”, resume Arcuri. “As multinacionais investem muito menos em pesquisa e desenvolvimento estrutural no Brasil. Quem está fazendo as novas fábricas de biofármacos, para transferência de tecnologia, são as empresas nacionais.”
O programa de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), criado pelo governo federal para re¬duzir a dependência do país em importação de medi¬camentos e equipamentos de ponta, tem impulsionado a inovação no setor. Com venda garantida ao governo federal, que gasta 60% do orçamento do SUS na com¬pra de biofármacos, a PDP virou uma forma eficaz de assegurar transferência de tecnologia para o Brasil num prazo mais curto, segundo Arcuri.
O complexo industrial farmacêutico Cristália foi um dos que aderiu à PDP, investindo nos últimos anos USS 100 milhões em duas plantas em Itapira (SP) para de-senvolvimento e produção de medicamentos biotecno¬lógicos – a empresa tem outras três unidades, em Pouso Alegre (MG) e Cotia (SP) e Buenos Aires, na Argentina, empregando 4 mil funcionários no total.
Uma das plantas já produz três biofámarcos – um an¬ticorpo monoclonal para câncer de mama, uma proteína contra doenças autoimunes como artrite reumatoide e psoríase e um hormônio de crescimento humano to¬dos em fase de estudos clínicos. A outra produzirá, além de biofármacos anaeróbicos, o insumo farmacêutico ativo (IFA) colagenase, enzima utilizada na produção de pomadas para o tratamento de feridas, úlceras e quei¬maduras, hoje importado. “Trata-se de um produto da biodiversidade brasileira, genuinamente feito aqui e que agora será exportado para países do Primeiro Mundo. É o primeiro insumo brasileiro com patente mundial e aguarda homologação da Anvisa para comercializa¬ção no Brasil”, orgulha-se Ogari Pacheco, presidente do grupo Cristália. “A produção de biofármacos não se res¬tringirá às PDP, mas também impulsionará a exportação. Temos plantado ao longo do tempo, com uma visão de longo prazo, investindo em soluções inovadoras para o avanço do setor de saúde no Brasil.”
Focado em pesquisa e inovação – investindo em PD&I 8% do faturamento, que em 2014 representou R$ 1,6 bilhão -, o Cristália atua fortemente na área de aneste¬sia, da qual é líder na América Latina, e antirretrovirais para tratamento de HlV/Aids distribuídos pelo SUS, de vacinas e remédios para distúrbios metabólicos e ainda fabrica metade dos IFA que utiliza, sendo que o Brasil importa mais de 90% desses insumos.
Outra farmacêutica brasileira com inversões intensi¬vas em PD&I – de 7% a 10% do faturamento – é a Biolab, que projeta receita de RS 1,35 bilhão para 2015. Entre as dez maiores farmacêuticas do país no ranking de medicamentos vendidos sob prescrição médica, a Biolab atua na área de cardiologia, dermatologia, ginecologia e ortopedia, entre outras. Com duas fábricas no estado de São Paulo, em Jandira e Taboão da Serra, e um centro de PD&I em Itapecerica da Serra (SP), com 100 profissio¬nais, o laboratório conta com 79 projetos de inovação incrementai e cinco de inovação radical, além de 259 patentes requeridas para aprovação. Hoje, os produtos inovadores respondem por 50% do portfólio da farmacêutica, formado por mais de 100 medicamentos.
Em parceria com a Universidade Federal do Rio Gran¬de do Sul, a Biolab desenvolveu o primeiro nanoanestésico tópico do mundo, o Nanorap, com ação ultrarrápida – leva um sexto do tempo dos convencionais para fazer efeito. O anestésico já tem patente concedida nos EUA e Japão. No Brasil, ainda está em fase de registro na An¬visa, assim como o antimicótico Zilt, primeira inovação radical do laboratório, para combate a fungos e ação bactericida, que será apresentado em creme e loção. “Desenvolver uma molécula e seu medicamento é muito importante por colocar o Brasil em outro patamar de inovação, já que o país se torna fornecedor de molé¬culas inovadoras”, afirma Dante Alario Júnior, sócio e presidente científico da Biolab. De olho no filão das PDP, a Biolab se associou à Eurofarma para criar a Orygen, empresa dedicada à produção de medicamentos bio- tecnológicos na área oncológica. Com investimentos de RS 500 milhões e sede em São Carlos (SP), a fábrica receberá transferência de tecnologia da Pfizer e deverá atender a 40% da necessidade do governo na área e ainda exportar para o mercado latino-americano.
A Biolab planeja investimento de RS 350 milhões em uma fábrica em Estiva (MG) voltada para a exportação. “Hoje, a exportação corresponde a menos de 5% da nossa receita, e queremos introduzir nossos produtos inova¬dores no mercado norte-americano, que representa 45% da demanda mundial de fármacos”, diz Alario Júnior. “A título de comparação, o mercado brasileiro para nosso nanoanestésico é de US$ 60 milhões/ano e para o anti¬micótico de US$ 450 milhões, enquanto o americano é seis vezes maior.” Esse potencial levou a Biolab a montar um braço de PD&I no Canadá com investimento de US$ 40 milhões nos próximos dois anos junto a um centro dedicado à inovação instalado na Grande Toronto, que reúne 22 mil pesquisadores da área de saúde.
Uma das precursoras na formação de parcerias in¬ternacionais, a gigante nacional Aché investe 10% da receita líquida em PD&I. Usou a estratégia para ampliar o horizonte comercial e de inovação e formou ampla ca¬deia de parceiros internacionais, que incluem a inglesa Oxford Pharmascience (suplementação alimentar) e a canadense Prollenium MedicalTechnologies (tratamento estético). As parcerias são uma via de mão dupla. Com a mexicana Silanes, por exemplo, passou a comercializar no México o anti-inflamatório Acheflan e o hipertensivo Lotar, primeira marca própria do laboratório fora do país. Um resultado recente dessa política foi a chegada ao Brasil de dois pro bióticos revolucionários, o Colikids e o Provance, ambos indicados para o equilíbrio da mi- crobiota intestinal e fruto da parceria com a sueca Bio gaia.
Em 2014, a Aché teve faturamento bruto de RS 4,5 bilhões, 20% superior ao do ano anterior. “Nos últimos anos, a Aché tem mantido a estratégia de levar saúde e bem-estar às pessoas por meio de produtos inovadores com performance sustentável”, afirma Paulo Nigro, pre¬sidente da Aché, que tem um pipeline de 184 projetos em desenvolvimento para os próximos anos.
O avanço das farmacêuticas nacionais mudou o perfil do setor. Hoje, elas representam de 52% a 55% do mercado brasileiro, diferentemente de alguns anos atrás, quando as multinacionais ainda dominavam o segmento, que faturou no ano passado R$ 66 bilhões, segundo dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma). Mesmo assim, as multinacionais continuam sendo responsáveis por trazer ao Brasil a maior parte dos re¬médios inovadores, desenvolvidos nas matrizes, e boa parte dos estudos clínicos, prática importante para as farmacêuticas, mas que tem um gargalo no tempo de aprovação. “No Brasil, esse processo demora um ano, enquanto no Canadá e Estados Unidos são apenas dois meses”, compara Sandra Abrahão, diretora médica da Bayer. “Uma recente resolução da Anvisa, reduzindo para seis meses o processo, traz um panorama muito melhor e nos tornará mais competitivos”, diz.
Multinacional com forte atuação em pesquisa clínica, a suíça Novartis investiu nos últimos três anos RS 170 milhões, beneficiando 25 mil pacientes por meio de 460 estudos clínicos na área cardiovascular, oncológica e oftalmológica. “A pesquisa clínica é a base do negócio da Novartis, tradicionalmente de iniciativa global e mais recentemente com significativos investimentos locais”, observa José Antônio Vieira, presidente da Novartis no Brasil. “Além disso, a Novartis possui três transferências de tecnologia na área de transplante de órgãos e tumores com laboratórios públicos, em acordo com o governo federal, e pretendemos expandir o número de PDP no Brasil na área oncológica e neurológica.” Globalmen¬te, a Novartis tem potencial para 50 lançamentos nos próximos cinco anos, entre medicamentos inovadores e incrementais.
Outra área da saúde em que a inovação é fundamental são equipamentos e dispositivos voltados para o setor hospitalar. Segundo a Abimed, associação que reúne empresas de alta tecnologia de produtos médicohos- pitalares, as líderes do setor investem de 9% a 15% da receita em P&D, em contraste com outros segmentos industriais, que alocam entre 3% e 4%.
“O investimento mundial em P&D na área de dispositivos médicos é de R$ 100 bilhões, enquanto no Brasil fica entre 1 bilhão e 2 bilhões de reais. É pouco. Acreditamos que o Brasil teria potencial para investir R$ 4 bilhões”, diz Fabrício Campolina, presidente do conselho de administração da Abimed. “O contexto é de uma pressão por preços devido ao envelhecimento da população e da prevalência de doenças crônicas, como câncer, diabetes etc. O desafio é grande, e a inovação é a saída.”
A exemplo da indústria farmacêutica, na área de dis¬positivos médicos o Brasil é bastante dependente do mercado mundial. “Em inovação básica, não temos mui¬ta coisa acontecendo por aqui. O país colabora gerando evidências clínicas ou com ideias de pesquisadores que procuramos encaminhar para a matriz”, afirma Oscar Porto, CEO da Meditronic para o Brasil, líder mundial na produção de marca-passo e válvulas cardíacas. “Recen¬temente, inauguramos um centro de pesquisa em São Paulo, com investimentos de US$ 25 milhões, com vários laboratórios para treinamento de profissionais na utili¬zação dos dispositivos.” A produção local da Meditronic é focada apenas em fio sutura, responsável por 10% do faturamento, enquanto 90% correspondem à importa¬ção. A grande novidade que a Meditronic trará para o Brasil nos próximos anos é o Micra, menor marca-passo do mundo, equivalente a um terço do convencional, sem eletrodos, e que pode ser implantado pelo sistema transcatéter, sem cirurgia invasiva.
Na opinião do presidente e CEO da GE Healthcare para a América Latina, Daurio Speranzini Jr„ o Brasil ainda enfrenta muitos desafios na área da saúde, como orçamentos reduzidos, envelhecimento da população e aumento de doenças crônicas. “O primeiro passo para solucionar esses desafios foi dado há mais de cinco anos, quando empresas de equipamentos médicos decidiram instalar linhas de produção no Brasil. A GE Healthcare foi uma das pioneiras e produz, desde 2010, equipamentos de ponta na fábrica de Contagem (MG)”, diz Speranzini Jr. A GE fez um aporte cie USS 75 milhões nessa planta, investimento que será concluído em 2018.
Fonte: Valor Econômico – Margarida O. Pfeifer