As estatísticas de depósitos de marcas e patentes, um dos indicadores mais atuais da área de inovação no país, mostraram recuo em 2014 frente a 2013. A redução em marcas chegou a 4% e a retração em patentes ficou em 2,8%, segundo estatísticas do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Os registros pioram quando é observado apenas aquilo que é depositado pelo Brasil (excluem-se os depósitos de estrangeiros no país). Neste indicador, a queda atinge 8,5% entre 2014 e 2013 em patentes e 3,4% em marcas.
A retração é considerada expressiva por pesquisadores, ainda mais quando associada a outros indicadores de inovação. Ela ocorre ao mesmo tempo em que é registrado um volume menor de empresas que inovaram no terceiro trimestre de 2014 e das interessadas em realizar inovações no futuro, segundo a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Além disso, ela vem em meio a um cenário negativo pela frente por conta de três fatores principais: baixo crescimento econômico, expectativa de redução do investimento pela Petrobras, em razão dos efeitos da Operação Lava-Jato, e pela contínua desaceleração da indústria de transformação – o grande pilar da inovação.
Para pesquisadores ouvidos pelo Valor, a tendência negativa em inovação continuará enquanto o ciclo econômico do país indicar retração, algo que eles não acreditam que mudará no médio prazo.
“A Petrobras está reduzindo vários tipos de investimento, imagino que também reduza os investimentos em P&D, então vai haver um impacto não desprezível em P&D em todo o país”, afirma a diretora da divisão de inovação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fernanda de Negri. “Pode haver alguma retração nas pesquisas do pré-sal no curto prazo”, acrescenta o professor do departamento de Engenharia de Produção da USP, Mario Sergio Salerno. Além disso, ele destaca que a importância da estatal também se dá pelo fato de que a “Petrobras hegemoniza, como compradora, o mercado de empresas de engenharia no país”.
A Petrobras sozinha responde por cerca de 20% a 25% do total de inovações feitas no país, segundo Fernanda. É a principal empresa a puxar a inovação na economia, sendo também a maior depositária de patentes referentes à propriedade industrial do Brasil, segundo o INPI.
A Petrobras não concedeu entrevista sobre o assunto. Em nota, informou apenas que, em 2013, foram investidos US$ 1,132 bilhão em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I). Em 2014, o investimento em P,D&I “se manteve na mesma ordem de grandeza dos últimos anos, o que também deverá ocorrer em 2015”. No fim do mês passado, porém, o presidente da Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), Oswaldo Pedrosa, chegou a sinalizar que o ritmo do desenvolvimento do pré-sal pode não ocorrer como antes estava previsto em razão da queda do preço do petróleo e por conta da Operação Lava-Jato.
Mais do que os efeitos negativos esperados relacionados à Petrobras, os pesquisadores ressaltam que o grande problema é que o recuo em P&D deve se dar de forma generalizada no setor industrial – com apenas algumas exceções. “A recessão nunca é algo que ajuda os investimentos no geral. Pegando as empresas mais comuns, é difícil ter queda de faturamento e mesmo assim elas aumentarem o dispêndio em inovação”, destacou Salerno. “À exceção de algumas empresas que pensam fora da caixa, o investimento em P&D é pró-cíclico: quando a economia vai bem, se investe mais, e quando está ruim, se investe menos”, disse ele.
O apetite menor por projetos na área ficou evidente pela mais recente Sondagem da Inovação, pesquisa publicada pela ABDI em fevereiro, que apontou que a taxa de empresas de grande porte no terceiro trimestre de 2014 que inovaram (inovação vista como criação de novo produto ou processo) caiu para 48% das 400 pesquisadas no terceiro trimestre de 2014. É um patamar próximo ao do segundo trimestre de 2013, quando essa taxa era de 46,9% – a mais baixa desde que a pesquisa começou a ser realizada em 2010. O dado também é cinco pontos inferior à taxa do segundo trimestre de 2014.
Além disso, a intenção de inovar nos meses subsequentes à pesquisa também retraiu 3,3 pontos percentuais em relação ao segundo trimestre de 2014, ou seja, apenas 45,8% das firmas pretendiam naquele momento fazer uma inovação futura.
A crise na indústria de transformação – cujo PIB registrou expressivo recuo de 3,8% em 2014 – é vista como um dos elementos centrais por trás desse cenário. O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Germano Mendes de Paula demonstra isso ao apontar que no primeiro trimestre de 2011, quando o PIB da indústria de transformação registrou uma “boa taxa de crescimento”, de 2,8%, comparativamente ao trimestre anterior, houve também a maior taxa de inovação da série histórica da sondagem da novação feita pela ABDI (62,1%). “Analogamente, no terceiro trimestre de 2014, se verificou uma das menores taxas de inovação (48%), num contexto de baixa expansão do PIB manufatureiro – 0,7%, que nem foi suficiente para compensar a queda dos dois trimestres anteriores”.
Apesar do quadro difícil mostrado por esses números, a diretora da ABDI Maria Luisa Leal diz, porém, que o cenário pode não ser tão ruim porque a sondagem também mostrou um aumento das empresas que têm ampliado os seus “esforços de inovação”. Esses esforços significam que os departamentos de P&D seguem mantidos ou estão sendo ampliados. Para ela, o principal significado disso é que, quando a economia retomar o crescimento, algumas empresas estarão prontas para voltar a lançar novos produtos e processos imediatamente. Em 2013, quando houve recuo da inovação medida pela pesquisa da ABDI, houve apenas uma manutenção desses esforços e não um avanço.
Para De Paula, a dificuldade maior do país está no fato de que, dado o reduzido nível de inovações, ficam comprometidas as perspectivas de crescimento da economia brasileira a médio e longo prazos. “O país precisa aumentar consideravelmente sua produtividade. Isto somente será alcançado de forma virtuosa com mais inovações”, disse. A médio prazo, a desvalorização do real, segundo ele, tende a atenuar, mas não será capaz de eliminar os problemas de competitividade da indústria.
Na avaliação do economista do INPI Sergio Paulino, o cenário de redução de exportação de manufaturados verificado nos últimos anos deve estar entre os elementos para a redução dos depósitos de patentes no INPI em 2014. Quando as firmas exportam, estão diante de uma maior concorrência no mercado internacional, e isso exerce, segundo ele, maior incentivo para que inovem.
Para Paulino, contudo, ainda é cedo para apontar que 2015 será um ano mais complicado para os registros de patentes e marcas no país, como alguns pesquisadores esperam. Apesar de um cenário macroeconômico desfavorável, ele pondera que boa parte dos investimentos em inovação é de longo prazo, havendo uma certa reticência das empresas de maior porte em reduzir recursos em pesquisas que já estão em andamento, mesmo em um período econômico mais adverso.
Salerno, da USP, concorda que algumas empresas líderes vão evitar paralisar processos de pesquisa que já estão em andamento, pois há um prejuízo muito maior para retomá-los no futuro. Mas ressalta: “o problema é que a economia não é feita por empresas líderes”.
Para ele, um dos problemas centrais hoje é que poucas empresas brasileiras têm a visão da importância de continuar investindo em inovação mesmo nos momentos mais difíceis “para sair por cima” quando o ciclo de crescimento retomar.
Fonte: Valor Econômico