A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) aprovou, ontem, por unanimidade, proposta de emenda constitucional (PEC) do senador Paulo Bauer (PSDB-SC) que concede imunidade tributária à cadeia produtiva de medicamentos. A PEC 115 vai agora ao plenário do Senado, onde, para ser aprovada, precisa receber votos favoráveis de três quintos dos 81 senadores, em dois turnos de votação.
Bauer disse que vai pedir ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para o projeto ser colocado logo em pauta. “Como é fim de ano podemos ter alguma dificuldade, mas como esse é um assunto de grande apelo popular, é possível criar essa possibilidade”, disse. A renúncia fiscal estimada com tal medida fica na casa dos R$ 17 bilhões. A Receita Federal e o Ministério da Fazenda não quiseram comentar a emenda constitucional aprovada.
Mas o Valor apurou que o governo é completamente contra a proposta. A aprovação na CCJ foi mais por “vista grossa” do que um “cochilo” dos senadores governistas. A estratégia do governo seria barrar o projeto na Câmara, já que o custo de brigar contra uma proposta dessas é mais elevado no Senado.
O governo é contra a imunidade tributária, primeiro, pela perda de receita, e depois porque a proposta poderia acirrar as discussões sobre favorecer um Estado ou outro no momento em que o governo tenta acabar com a guerra fiscal, buscando unificar alíquotas de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Nota técnica do Ministério da Saúde, feita a pedido do senador Bauer, levanta dados sobre o setor e mostra que a carga tributária incidente sobre os remédios, no Brasil, beira os 34% em média, contra 21% da Argentina, 6% do Reino Unido e 3% na França. Imposto zero sobre o setor é fato nos Estados Unidos, México e Canadá. Já a média mundial está em 6%.
A nota técnica também apresenta dados do Ibope indicando que o mercado de medicamentos deve movimentar R$ 63 bilhões em 2012. Os principais consumidores serão das classes “B” e “C” demandando 80%.
O parecer do ministério também ressalta, com base nos dados da ISM Health, que 71,4% do desembolso com medicamentos é feito diretamente pela população. Na Europa, esse percentual é de 10% a 15%.
Isso acontece mesmo com o aumento na distribuição de medicamentos pelo governo nos últimos anos. Dados do IBGE, compilados pelo ministério, mostram que em 2009 – último levantamento disponível – o governo gastou R$ 6 bilhões com medicamentos, enquanto a população desembolsou R$ 56 bilhões.
Tanto o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma) quanto a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) mostram-se favoráveis a tal projeto.
O presidente-executivo da Sindusfarma, Nelson Mussolini, lembra que não há como a desoneração não chegar ao consumidor final, já que há legislação específica dando conta de que qualquer redução de imposto sobre remédio é automaticamente repassada.
Segundo o presidente-executivo da Interfarma, Antônio Britto, há um claro problema de acesso a medicamentos no país. “Chegamos ao limite dessa situação. Há impedimento de acesso por conta da tributação e isso gera custos para o governo”, disse Britto, lembrando que 54% dos brasileiros não fazem o tratamento médico como deveriam e um dos motivos é o preço dos medicamentos.
“O governo desonerou seletivamente montadoras, linha branca e outros setores. Esperamos que o presidente Dilma e o ministro Guido Mantega tenham a sensibilidade de avaliar questões dos medicamentos”, diz Britto.
Britto explica ainda, que entre a maior fatia desses tributos é estadual. No Paraná, caso sempre citado nessas discussões, a alíquota caiu de 18% para 12% desde abril de 2009 e o governo viu um aumento de arrecadação em função do maior consumo. O imposto mais alto praticado sobre o setor é do Rio de Janeiro, com alíquota de 19%. A experiência adotada no Paraná é citada pela nota técnica do Ministério da Saúde sobre a PEC 115.
A conclusão da nota técnica diz que a proposta “é de suma importância e extremamente necessária”. No entanto, como trata de isenção tributária deve considerar o risco de uma eventual renúncia fiscal não se traduzir em redução de recursos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para os técnicos do Ministério da Saúde, parece “mais apropriada” a redução parcial de impostos notadamente no ICMS, pois isso não traria grande interferência na receita base dos Estados.
“Fica a sugestão de estudo mais aprofundado, o qual requer o acesso a dados primários, sobretudo de arrecadação, para que se estime com maior precisão o impacto fiscal de tal medida”, conclui a nota técnica sugerindo que a Fazenda e a Anvisa também avaliem a questão.
Fonte: interfarma.org.br