Felipe Augusto Machado, coordenador-geral de Economia 4.0 e Propriedade Intelectual do Ministério da Economia, iniciou apresentando como foi elaborada a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, liderada por uma equipe do Ministério da Economia. “Fizemos contato com mais de 200 especialistas, recebemos cerca de 100 sugestões na consulta pública e levamos em conta as demandas históricas. São 210 ações divididas em cinco planos de ação para serem implementados em até dez anos.”
Machado comentou sobre a dificuldade na votação da Lei 14.200/2021 – que foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro com cinco vetos, alguns a pedidos do próprio Ministério da Economia. A norma altera a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) para estabelecer a licença compulsória de patentes ou de pedidos de patente nos casos de emergência nacional ou internacional ou de interesse público ou estado de calamidade pública nacional.
“Apesar de terem aumentado o escopo da lei, ela ainda é excepcional, estamos falando de situações de calamidade pública, de exceções. Mas é importante atentarmos à questão da narrativa. A mensagem não está chegando devidamente à opinião pública e ao Congresso”, disse o coordenador do Ministério da Economia.
Machado também afirmou que o Patent Prosecution Highway (PPH) pode ajudar a agilizar o processo de patentes no setor farmacêutico. Com o PPH, após um instituto de patentes parceiro considerar a matéria de um pedido patenteável, torna-se possível priorizar a solicitação de pedido de patente do mesmo invento e titular no INPI.
O PPH, através do uso de todas as informações relacionadas com a pesquisa ou exame dos Escritórios de Primeiro Exame (OEE), auxilia os depositantes em seus esforços para obter direitos patentários com maior segurança jurídica e de modo mais eficiente em diversos países, segundo o INPI. Além disso, o projeto procura otimizar o exame dos principais escritórios de patentes no mundo.
Para este ano, ainda estão previstas as seguintes ações, de acordo com Machado: revisão das normas relacionadas à dedutibilidade de despesas com royalties; revisão ampla dos normativos de PI; estudo sobre critérios de patenteabilidade de biotecnologia, para subsidiar revisão de normas de patentes, e adesão ao Acordo de Haia para o registro internacional de Desenhos Industriais.
Ana Carolina Cagnoni, diretora de PI e compliance da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), segunda convidada do painel a falar, lembrou que as vacinas contra a Covid-19 mostraram a importância da pesquisa para o mercado. A Interfarma representa 50 laboratórios globais que focam em pesquisa, ou seja, que dependem diretamente de inovação.
“Esses dias, a manchete de um dos jornais era ‘Sem vacina, Covid-19 mata 26 vezes mais’. Estamos falando de um produto para um vírus que não existia no mundo em fevereiro de 2020 e que, em dezembro de 2021, a indústria farmacêutica global entregou 12 bilhões de doses. Foram produzidas 12 bilhões de doses de um produto que não existia. Isso é uma inovação que toca. É claro que tem um celular, um defensivo agrícola, mas quando pensamos em produto farmacêutico, a pandemia trouxe esse assunto com transparência. Esse é um grande exemplo do que é inovação na indústria farmacêutica”, afirmou Cagnoni.
Outro ponto a ser considerado no setor, segundo a representante da Interfarma, é que vacinas são produtos biológicos e que a inovação neste tipo de produto é para onde a indústria caminha há 15 anos. “Temos os produtos farmoquímicos que são importantes, mas inovação está também não só em produtos biológicos, como também na terapia gênica, que são produtos para aliviar ou curar doenças muito mais complexas. Hoje temos 13 milhões de pessoas com doenças raras que sabem o valor de um produto de tecnologia de ponta, que dependem de pesquisa científica e inovação da pesquisa farmacêutica.”
O painel também abordou os genéricos de medicamentos, cópias das invenções da indústria que investe em pesquisa. O julgamento da ADI 5.529 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado resultou na anulação do parágrafo da Lei de Propriedade Industrial que garantia um prazo mínimo de vigência às patentes, favorecendo a indústria da cópia de medicamentos de forma retroativa.
“A indústria farmacêutica teve um revés de insegurança jurídica muito grande no ano passado, e quem perde muito são os pacientes e possíveis futuros pacientes. Não é a indústria que perde, é o país que perde”, comentou Cagnoni. “Podemos ter menos acesso a medicamentos dependendo dessas decisões do Judiciário, do Legislativo e do governo. Precisamos melhorar a nossa comunicação, mas essa é a mensagem. Nossas associações têm que ir além de ideologia, do bipartidarismo de esquerda e direita, levar informação do setor em que a gente atua.”
Sobre a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual apresentada pelo governo, a diretora destacou que é preciso que ela seja implementada de fato, independentemente de governo. E reforçou a importância de manter avançando no combate ao backlog do INPI. “A gente reconhece que houve um avanço, mas, na indústria farmacêutica, o gargalo é maior. A gente ainda tem mais de dez anos de backlog e sem rede de segurança jurídica. Estamos à mercê do Estado, sem seguro para o pedido de patente.”
Outro tema atual da pauta do setor é a votação do veto presidencial parcial (48/2021) à Lei 14.200/2021. Entre os assuntos que seriam retirados do texto aprovado estão o compartilhamento de informações, inclusive de material biológico, e que em caso de emergência em saúde pública, a licença compulsória de patentes ou de pedidos de patente úteis na prevenção e no combate das causas da emergência poderá ser concedida por lei.
“Este webinar deixou claro que patente não é sinônimo de medicamento caro, que patente é instrumento que serve para todas as invenções industriais. Se você tem uma legislação diferente das de outro países no que diz respeito à licença compulsória, você não incentiva o investimento no Brasil, porque há uma sombra. Isso até é do jogo, mas o que estão querendo colocar é que, além da patente, vão ditar o segredo de negócio. Para além do texto da patente, você vai ser obrigado a transferir seu know-how. Essa é a proposta. O sistema vai ruir aos poucos”, afirmou Cagnoni.
Encerrando o painel e o webinar, Liliane Roriz, desembargadora aposentada e sócia do Licks Attorneys, apresentou pontos positivos e negativos do sistema brasileiro de concessão de patentes, em especial no que tange ao setor farmacêutico.
“Os pontos fortes são dois. Primeiro, a revogação da anuência prévia da Anvisa, que atrasava fazendo um duplo exame sem sentido. O Judiciário decidiu que não era papel da Anvisa e por fim veio a lei que acabou com isso. Outro ponto positivo é, sem dúvida, o Plano de Combate ao Backlog. Mas, como primeiro ponto negativo, [o combate ao backlog] ainda está muito lento. Em comparação com países com padrão semelhante ao do Brasil, estamos muito aquém do desejado.”
Liliane Roriz também apontou a decisão do Supremo na ADI 5.529 como um ponto negativo. “Quando se pautou a ADI, muitos colegas acharam que seria um momento oportuno para uma decisão adequada por conta da influência da pandemia, pelas vacinas que vieram rapidamente. Mas não, foi o oposto”, afirmou. “Foi uma questão delicada que não foi vista de forma adequada, trazendo bastante insegurança jurídica com a declaração de inconstitucionalidade de uma norma que vigorava há 25 anos. O Supremo não viu que o parágrafo único era uma exceção, o artigo era a regra. O que é inconstitucional é não ter prazo para um direito transitório. Ter um prazo, qualquer que seja, é uma decisão que o legislador tem que tomar. Se esse prazo não era adequado, a correção tinha que ser feita dentro do Legislativo e não no Supremo”, explicou.
O terceiro ponto negativo apontado pela sócia do Licks Attorneys é a ausência de um prazo de compensação pelo atraso na concessão de patentes fixado em lei, após a decisão do STF. “Eu fiz levantamento recente e nós temos cerca de 300 pedidos de patentes com mais de 20 anos de depósito. Ou seja, patentes natimortas. Se a patente é uma troca, eu ensino a fazer e o Estado me dá proteção, como é que eu vou ter proteção de um ou dois anos?”, questionou Liliane Roriz.
Ela também argumentou que a existência da patente de um medicamento não significa automaticamente um preço elevado para o mesmo. “O preço foi usado pelo Supremo como um fundamento jurídico para decidir uma inconstitucionalidade. O preço-teto não é efetivamente o que é praticado no mercado. Tanto que, quando se participa de um pregão do SUS, o preço cai barbaramente. Muitas vezes o medicamento inovador ganha do genérico, inclusive, é vendido para o SUS. O que prova que ter uma patente ou uma proteção não é necessariamente fazer o preço ser alto ou baixo”.
Por fim, a sócia do Licks Attorneys comentou a questão da licença compulsória, abordada pelo veto presidencial 48/2021, que será analisado pelo Congresso. “Devemos pensar com muito cuidado nas consequências que teremos caso esse veto seja derrubado no Congresso. Estamos do lado do discurso complexo. O outro lado, o da cópia, tem um discurso muito mais simples. Ele se senta na frente do juiz e diz que, se não conseguir uma liminar, todo mundo vai morrer. Nós, muitas vezes, temos que começar explicando o que é uma patente.”
Fonte: JOTA