A indústria farmacêutica realizou no último ano aportes em centros e parcerias para pesquisa no Brasil. Mas o movimento está mais relacionado a facilidades na aprovação de produtos do que com a busca por inovação, dizem fontes.
Executivos do setor explicam que, diante das dificuldades e morosidade das agências reguladoras, os laboratórios têm preferido criar centros de pesquisa locais para ajudar a acelerar o processo e driblar a burocracia em torno dos processos.
“O cenário de pesquisa no País hoje é medíocre. No ranking do número de estudos em andamento estamos em 15º, mas o Brasil é o sexto maior mercado de medicamentos do mundo”, disse o presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Britto.
Para ele, facilitar a aprovação e o andamento de pesquisas clínicas no País ajudaria a atrair projetos iniciais e não apenas uma etapa das pesquisas.
“O problema hoje não é falta de condições para ter pesquisas a partir do zero, porque nós temos capacidade científica e nossa população é muito diversificada, o que torna o País atraente para pesquisas”, citou.
Segundo Britto, a burocracia é a principal responsável por aumentar o tempo para aprovação das pesquisas. “Para uma indústria começar a realizar uma pesquisa hoje, precisa da aprovação de três agências reguladoras diferentes, o que eleva o prazo de aprovação para um ano, enquanto em outros países leva de três a quatro meses. Isso afasta o interesse das empresas em iniciar pesquisas aqui.”
A Abbott, por exemplo, investiu R$ 20 milhões em um novo centro, visando diminuir o tempo de aprovação de novos medicamentos no mercado brasileiro. “Com um centro no País, teremos mais conhecimento sobre a regulamentação local para que um dossiê seja mais facilmente aprovado”, explicou ao DCI o presidente da Abbott Brasil, Juan Gaona.
Apesar disso, a pesquisa de novas moléculas – passo inicial para a criação de medicamentos inovadores – não está nos planos da companhia para o País. “Nesse centro não faremos pesquisa radical ou básica, porque a unidade não é um centro para desenvolver novas moléculas. O que faremos é usar moléculas já desenvolvidas [em outros países] para criar produtos para os pacientes brasileiros”, ressaltou o executivo.
Segundo ele, o processo de regulação de pesquisa clínica no Brasil ainda é um desafio para a indústria, embora o prazo para aprovação de pesquisas e registros de medicamentos tenha melhorado este ano. “Vimos muitas aprovações de registros neste ano, sinal de que a fila está andando e que há um processo mais eficiente, mas ainda está aquém das nossas expectativas”, afirmou o executivo.
Mão de obra
Gaona também observa que a capacitação dos brasileiros tem se destacado no mercado mundial. “Temos muitos profissionais brasileiros com potencial para fazer carreira fora do País. Como eles trabalham em um mercado difícil de prever, isso os torna mais bem preparados para lidar com mudanças. Mas o que fazemos no Brasil não é diferente de outras companhias, que aproveitam esse conhecimento, mas não começam pesquisas do zero aqui”, declarou o executivo.
Já GlaxoSmithKline (GSK), que também anunciou aporte de R$ 15 milhões em pesquisa no Brasil este ano, encontrou nas parcerias com instituições de ensino e pesquisa locais uma oportunidade para expandir seus projetos.
“Estamos mais focados em onde estão as pessoas que fazem a ciência avançar. Então temos grupos e centros de pesquisa, mas achamos que o futuro não está aí, porque a inovação não vem de sistemas estruturados”, contou o presidente da GSK no Brasil, Cesar Rengifo, em entrevista recente ao DCI.
Mesmo assim, ele também vê a burocracia como um entrave ao desenvolvimento de pesquisas no Brasil. “Há uma parte da legislação que precisa melhorar para facilitar os investimentos, sobretudo em pesquisa clínica, mas o Brasil está no caminho.”
Brasileiras
Na avaliação do presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, os investimentos das empresas em pesquisa são reflexo do crescimento do setor nos últimos anos e da percepção de que a inovação é a melhor estratégia para se manter no mercado.
“As empresas sabem que não vão conseguir sobreviver simplesmente fazendo cópia de produto, a inovação é a única saída, principalmente para as empresas nacionais”, lembrou.
O Aché Laboratórios, fabricante nacional de medicamentos, inaugurou no mês passado um laboratório de design e síntese molecular. A unidade recebeu R$ 200 milhões em investimentos neste ano e faz parte dos planos da empresa de internacionalizar sua marca.
“A inovação em produtos é o caminho de crescimento da empresa. Não acreditamos em um modelo de crescimento internacional com a compra de ativos, porém apostamos na apresentação de um portfólio inovador, que possa abrir espaço no mercado internacional de nossa linha de produtos”, declarou o presidente da farmacêutica, Paulo Nigro, durante a inauguração do laboratório.
Segundo Nigro, os planos do Aché para crescer nos próximos anos incluem a ampliação do portfólio, composto hoje por 303 medicamentos. Até 2020, a expectativa é lançar mais 180 novos produtos no mercado.
A concorrente Hypermarcas também aposta no lançamento de novos produtos. “Nos produtos que a gente tem para lançar, buscamos casar especialidades que já cobrimos, mas têm carência de portfólio ou áreas pouco exploradas”, afirmou o diretor de marketing da companhia, Diego Luz, em evento para analistas ontem, conforme divulgou a agência Reuters.
De acordo com executivos da companhia, as solicitações da Hypermarcas para aprovar novos medicamentos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) podem elevar a participação do segmento de prescrição nos negócios da empresa.
Os executivos do setor ouvidos pelo DCI disseram acreditar no potencial de expansão do mercado brasileiro no médio e longo prazo. Eles reconhecem, entretanto, que a perspectiva para 2016 é de continuidade do ambiente macroeconômico difícil, com a demanda por medicamentos ainda pressionada pela inflação e desemprego.
Fonte: Interfarma