Um estudo liderado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) apresentou o genoma da bactéria Bordetella pertussis, que vem, atualmente, causando a coqueluche no Brasil. A informação – publicada na edição de novembro da revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz – pode ajudar o país a entender as causas do aumento do número de casos da doença observado nos últimos anos. Em 2013, foram cerca de seis mil registros, dez vezes mais que em 2010, quando foram computadas cerca 600 ocorrências, segundo dados do Ministério da Saúde (MS).
Coordenadora da pesquisa e chefe do Laboratório de Genética Molecular de Micro-organismos do IOC, Ana Carolina Vicente, explica que este cenário não está restrito ao Brasil: entre as doenças que podem ser prevenidas por vacinas, a coqueluche é, atualmente, a infecção mais frequente no mundo. Segundo a pesquisadora, trata-se de um retrocesso já que esta infecção era considerada controlada. “Há algum tempo, a re-emergência da B. pertussis é observada em países desenvolvidos, onde há programas de vacinação estabelecidos. Isso levou à realização de pesquisas para investigar as características desta bactéria, e a forma mais direta de se fazer isso é o estudo do material genético”, afirma a pesquisadora.
O sequenciamento do DNA mostrou que o micro-organismo isolado no Brasil pertence à mesma linhagem que tem provocado casos de coqueluche em diversos países nos últimos anos e, por isso, está sendo chamada de pandêmica. Segundo Ana Carolina, pesquisas internacionais já verificaram que há diferenças no código genético destes novos bacilos em relação às antigas linhagens, que circulavam antes do desenvolvimento e implementação dos programas de vacinação contra a coqueluche, na década de 1950. “Entre outras modificações, a linhagem pandêmica tem uma mutação no gene que determina a produção da toxina pertussis. A princípio, nesta nova linhagem, este gene está mais ativado e, por isso, ela produz mais toxina, um fator de virulência da bactéria, que pode trazer mais prejuízos ao ser humano”, relata a geneticista. A amostra foi cedida pelo Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen-PE), parceiro no estudo.
Caminho para aperfeiçoamento
Embora apontem para a necessidade de aprimorar as vacinas, os resultados não significam que os imunizantes atuais são ineficazes. Colaborador do trabalho, o pesquisador Flávio Rocha da Silva, do Laboratório de Bioquímica de Proteínas e Peptídeos do IOC, estuda desde 2008 a re-emergência da coqueluche no Brasil e publicou, em outubro, um artigo na revista científica Vaccine comparando mecanismos de indução da resposta imune nos dois tipos de vacina disponíveis no mercado (acesse aqui). Ele destaca que monitorar constantemente as bactérias circulantes é uma forma de prevenir problemas maiores no futuro. “É importante dizer que as vacinas protegem, mas elas poderiam ser aperfeiçoadas. Estudos de epidemiologia genética, como este, são fundamentais porque permitem antecipar a emergência de variantes da bactéria que podem não ser contempladas pelas vacinas”, ressalta.
Os pesquisadores acrescentam que a principal vacina administrada no Brasil é diferente da formulação usada na maioria dos países desenvolvidos. Semelhante à primeira geração de imunizantes para coqueluche, a vacina brasileira é do tipo celular, que utiliza bactérias inteiras atenuadas – ou seja, com menor potencial de provocar a doença – para estimular o sistema imune. Enquanto isso, a formulação administrada em países da Europa e nos Estados Unidos é chamada acelular, pois contém apenas algumas proteínas da B. pertussis, que são capazes de ativar a produção de anticorpos. Criada nos anos 1980, esta metodologia foi adotada em muitos países porque possui menos efeitos adversos. No entanto, ela também induz uma resposta imune menos intensa e gera proteção por menos tempo. “Infelizmente, o genoma da linhagem de bactérias utilizadas na produção da vacina brasileira ainda não foi publicado. Isso seria importante para acompanhar a evolução da coqueluche no Brasil”, comenta Ana Carolina.
Vacinação para gestantes
Além das características genéticas dos micro-organismos, diversos outros fatores podem estar envolvidos no aumento dos casos de coqueluche ocorrido nos últimos anos. Segundo os pesquisadores, um dos tópicos considerados mais relevantes em todo o mundo é a adequação dos esquemas de vacinação para a doença que, por muito tempo, foram restritos unicamente às crianças. No Brasil, a primeira mudança neste sentido foi implementada na última segunda-feira (03/11). A vacinação de gestantes foi incluída no Programa Nacional de Imunizações, sendo disponibilizada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo é que as mães desenvolvam imunidade contra a doença e passem os anticorpos para os filhos ainda no útero, protegendo os recém-nascidos.
Segundo Flávio, a medida é importante porque a maior mortalidade da coqueluche ocorre em bebês abaixo de dois meses, antes da aplicação da primeira dose da vacina. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2013, 98 das cem mortes causadas pela doença ocorreram em crianças com menos de um ano. “O esquema atual de vacinação é feito com três doses, aos dois, quatro e seis meses. Depois disso, há aplicações de reforço, para crianças com 15 meses e entre 4 e 6 anos. Considerando que a imunidade gerada pela vacina dura no máximo dez anos, a partir dos 14 ou 16 anos, não há mais proteção contra a doença e os adultos podem passar a infecção para os bebês”, diz o pesquisador.
Por causa dos efeitos colaterais, a imunização de grávidas só pode ser realizada com a formulação acelular da vacina para coqueluche, que não era produzida no Brasil até o ano passado. Para fornecer o imunizante ao SUS, o Instituto Butantan, de São Paulo, firmou um acordo de transferência de tecnologia com a farmacêutica GlaxoSmithKline e, atualmente, é capaz de fabricar no país os dois tipos da vacina para a doença.
Genes associados à resistência
O sequenciamento do genoma da B. pertussis isolada no Brasil também levou à identificação de dois genes associados a mecanismos de resistência a antibióticos. Um deles poderia determinar a produção de uma enzima capaz de degradar uma classe de antibióticos. Já o outro estaria ligado à presença de uma ‘bomba de efluxo’, que expulsa medicamentos do interior das células. Ana Carolina ressalta que estes genes foram identificados em análises de bioinformática. Portanto, experimentos ainda são necessários para determinar sua funcionalidade e impacto na resistência aos tratamentos.
A doença
A coqueluche é uma infecção respiratória que tem como principal sintoma a tosse. Na fase inicial, os pacientes apresentam febre, coriza e tosse noturna, com um quadro semelhante à gripe, que dura cerca de uma semana. Depois disso, os acessos de tosse se agravam e quando eles ocorrem, dificultam a respiração. O tratamento é feito com antibióticos e a recuperação costuma ocorrer em até seis semanas. No entanto, principalmente em crianças, a infecção pode evoluir para quadros graves e levar à morte.
Fonte: Pfarma