Um teste realizado pela reportagem e uma apreensão feita pela Vigilância Sanitária de Salvador (Visa) dão uma dimensão do que o levantamento da OMS aponta.
A reportagem conseguiu, facilmente, adquirir o medicamento Cytotec na Feira de São Joaquim. Já a Visa, no último dia 22, realizou a maior apreensão de remédios falsos dos últimos dois anos em uma farmácia situada na Liberdade.
Por meio de uma denúncia anônima, fiscais da Visa encontraram no local diversas unidades de remédios falsos contrabandeados, como Cytotec, Ocitocina, Durateston e Sibutramina.
Responsável pela apreensão, a chefe da Vigilância Sanitária do Distrito Liberdade, Neyla Nascimento, afirma que a equipe de oito pessoas fiscaliza vários tipos de estabelecimentos, o que dificulta as apreensões. A última havia sido em 2010, em conjunto com a Polícia Federal e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Dificuldade
Em alguns casos, a falsificação é tão bem feita que a própria indústria chega a enviar os itens ao laboratório para identificar se são originais ou não.
Em 2011, a Anvisa apreendeu 2,8 milhões de medicamentos ilegais no País, sendo 850 mil unidades falsas (aumento de 1.200% na ocorrência do crime em três anos).
A lei destinada a coibir as falsificações e fraudes dos medicamentos foi sancionada há quatro anos, mas não há previsão para que saia do papel. O prazo para sua implantação expirou há um ano.
Sancionada em 2009, após cinco anos de discussão, a Lei 11.903 prevê que a Anvisa implante o Sistema Federal de Controle de Medicamento (SNCM) para que todos os remédios produzidos no País possam ser rastreados da fábrica ao consumidor.
O texto prevê uma identificação numérica exclusiva para cada embalagem. A ideia é ter controle do processo de produção até a venda.
A intenção é que o sistema evite não só a falsificação, mas também a sonegação fiscal e o roubo de cargas.
Após uma tentativa frustrada de implantar um selo cunhado pela Casa da Moeda, excessivamente caro, a Anvisa anunciou em 2011 o Datamatrix, um código de barras bidimensional, ainda sem prazo de implantação.
“A vantagem desse sistema é que se passa a ter 200 milhões de fiscais: a embalagem já sai da indústria pronta para registrar a sua biografia”, afirma Antônio Britto, presidente da Associação Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Procurada, a Anvisa respondeu, via nota, que o tema está entre as suas prioridades, mas não iria pronunciar-se.
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Rastreamento não dispensa uma fiscalização mais eficiente
Se implantado como se espera, o Datamatrix (código de barras) dificultará bastante a falsificação. Com a “biografia” do medicamento na rede, basta passar a embalagem pelo leitor óptico para saber a origem e por onde passou.
Embora concorde que haverá aumento da segurança proporcionado pelo sistema, o presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fe-nafar), Ronald Ferreira, se preocupa com os avanços tecnológicos das fraudes. “Há um grau de sofisticação absurdo. O criminoso é hábil em burlar a tecnologia”.
Para ele, a rastreabilidade é fundamental. “Mas só vai servir, de fato, acompanhada de outras medidas”. Entre estas, destaca ele, é necessário uma fiscalização mais eficaz da Anvisa. “Nenhuma tecnologia vai substituir o serviço de qualidade”, completa.
O presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia, Francisco Magalhães, concorda. “O medicamento falso é uma questão de segurança nacional e a Anvisa ainda é muito falha na fiscalização”.
Custo
O presidente da Fenafar diz temer o impacto do novo sistema no bolso do consumidor. “Em alguns casos, o preço da rastreabilidade é até maior do que o do produto”.
Segundo o presidente da Interfarma, Antônio Britto, embora não se saiba o quanto será repassado para o consumidor, o custo do Datamatrix é bem menor do que o selo proposto anteriormente.
Entusiasta do sistema, ele acrescenta que este deve ainda ajudar na gestão dos remédios. “Se uma determinada região tiver com uma demanda maior por um medicamento, poderemos rastrear onde tem lotes a mais”.