Em 2018, a vacinação infantil no Brasil teve o menor índice de imunizados dos últimos 16 anos, segundo dados do Ministério da Saúde. Nenhuma vacina atingiu a meta de 95% de cobertura recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A tetraviral, que previne contra rubéola, sarampo, caxumba e varicela (catapora), teve o pior desempenho – pouco mais de 70% das crianças foram imunizadas. A queda nas taxas ficou evidente com o surto de sarampo no ano passado, com mais de 10 mil casos confirmados e 12 mortes. Um retrocesso significativo: em 2016, o país havia recebido da Organização Pan-Americana da Saúde o certificado de eliminação da circulação do vírus. E o perdeu este ano.
Para os especialistas, uma das explicações para a volta de doenças consideradas erradicadas é – ironicamente – o sucesso das campanhas de vacinação em massa ao longo das últimas décadas. “O programa nacional de imunização do Brasil é considerado um dos mais completos do mundo”, diz o pediatra Daniel Becker, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Muitos pais nunca viram crianças com poliomielite, por exemplo. Isso pode fazê-los supor que ela não exista mais ou não seja tão grave assim. Aí, deixam de levar os filhos para vacinar ou atrasam o esquema das doses até que a notícia de um novo caso provoque uma corrida aos postos de saúde e clínicas particulares. Foi o que aconteceu em março deste ano, após a divulgação equivocada de que o neto do ex-presidente Lula teria morrido de meningite.
Desinformação e falta de confiança de uma pequena parcela da população quanto à segurança e eficácia das vacinas também são responsáveis pela redução no número de crianças imunizadas. Grupos antivacinas ganham força nas redes sociais disseminando, para centenas de milhares de pais. “Esse movimento antivacina é criminoso, dissemina notícias falsas. Claro que vacinas têm efeitos colaterais, mas os riscos das doenças são bem mais sérios”, afirma Becker.
As autoridades de saúde pública do mundo todo enfrentam o desafio de tirar
0 infundado medo das vacinas da cabeça dos adultos: por enquanto, infelizmente, apresentar evidências científicas não parece suficiente. Alguns países já tomam medidas de “convencimento” mais duras.
Nos Estados Unidos, em 2019 os casos de sarampo subiram para o seu nível mais alto em 25 anos. O prefeito de Nova York declarou emergência de saúde pública nos dois bairros que concentraram mais registros da doença (reduto de comunidades judaicas ultraortodoxas avessas à vacinação por motivos religiosos), ameaçando aplicar multas de ÜS$
1 mil (cerca de R$ 4 mil) aos indivíduos não vacinados. Na Itália, o governo acaba de implementar uma lei que obriga os pais a manter a vacinação dos filhos em dia para que possam frequentar a escola. Sem comprovação, crianças de até 6 anos serão excluídas do berçário ou jardim de infância, enquanto as maiores de 7 seguirão matriculadas após o pagamento de multa e apresentação do comprovante de vacinação.
Como informação adequada é o melhor caminho para proteger seu filho contra doenças que podem ser evitadas, CRESCER conversou com especialistas para responder a 15 dúvidas mais comuns dos pais sobre vacinação infantil.
1. Quais vacinas podem ser aplicadas juntas? E qual é o intervalo ideal entre as aplicações?
A maioria das vacinas pode ser aplicada simultaneamente, no mesmo dia, sem problemas – ou com um intervalo de 30 dias entre elas. “E mais fácil explicar o que não pode”, diz a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Crianças menores de 2 anos não devem receber no mesmo dia as vacinas tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) e febre amarela, porque alguns estudos indicam interferência na eficácia.
2. Quais as diferenças entre as vacinas da rede pública e privada?
Embora boa parte das vacinas seja igual, a rede privada tem opções mais modernas (acelulares, que são feitas com frações do vírus e, portanto, menos suscetíveis a reações) e completas. “A pentavalente (que protege contra difteria, tétano, coqueluche, haemophilus influenza tipo B e hepatite B) da clínica particular, por exemplo, dá menos reação que a do posto”, diz Daniel Becker. “Outras dão uma cobertura maior.” E o caso da pneumocócica, cuja versão particular oferece proteção para três variações a mais de pneu- mococos, e da meningo. Atualmente a rede pública imuniza apenas contra a meningite tipo C, enquanto na rede privada é possível tomar a vacina quadrivalente (contra as formas A, C, W, Y).
3. O calendário de vacinação pelo SUS é suficiente ou devo complementar pagando pelas vacinas na rede particular? Quais?
Os especialistas afirmam que as vacinas disponíveis na rede pública são seguras, eficazes e imunizam as crianças contra a maioria das doenças. Isso não significa que as doses encontradas na rede particular sejam desnecessárias. Para Daniel Becker, o complemento mais importante seria a vacina contra a meningite tipo B, que pode custar até RS 700. “Mas não se sinta mal se não puder pagar por ela”, diz. “O calendário do SUS é adequado para a proteção das crianças.”
4. Quais as reações mais comuns?
Dor, vermelhidão e calor no local do corpo em que a vacina foi aplicada, assim como febre. A pediatra Isabella Ballalai explica que não são sintomas de doença, mas indicativos de que o organismo reconheceu o antígeno (substância estranha ao organismo capaz de provocar uma resposta imunológica, ou seja, formar anticorpos) e se mobilizou para combatê-lo: “A vacina precisa causar uma inflamação para que o sistema imunológico produza anticorpos contra ele”. Nem sempre a inflamação provoca febre ou outras reações, portanto a criança está imunizada mesmo sem apresentá-las.
5. Pode dar algum remédio antes da aplicação? Existem formas eficazes de amenizar as dores das vacinas?
O uso preventivo de analgésicos e antitérmicos não é recomendado pelo Ministério da Saúde. Estudos concluíram que a prática pode reduzir a eficácia das vacinas. Mesmo assim, os pequenos que tomaram tais medicamentos não precisam ser imunizados de novo. Para a pediatra Isabella, amamentar o bebê durante a aplicação é umas das melhores estratégias para amenizar o desconforto. Para crianças maiores, a dica não é para reduzir a dor, mas aplacar a ansiedade. “E melhor falar a verdade, que a picada dói um pouco, como uma beliscadinha, e papai e mamãe estarão lá para abraçar e ajudar”, aconselha Becker. Isabela completa: “Os pais devem acolher o medo da criança, mas demonstrar segurança. E distraí-la durante o preparo da vacina, pois ela não precisa ver a agulha”, diz. Caso o seu filho vá tomar mais de uma vacina, a médica sugere a vacinação dupla simultânea, uma em cada braço – assim, ele passa pelo estresse de uma só vez. Em caso de dor após a vacinação, ela indica compressas frias por 20 minutos no local até três vezes ao dia.
6. Qual a diferença entre a vacina com vírus morto ou atenuado? Uma tem mais risco que a outra?
Vacinas inativadas, como a da hepatite A, são produzidas com microrganismos mortos ou pedaços deles. Elas provocam uma resposta imunológica mais suave, o que as torna mais seguras. Por outro lado, em geral, são necessárias mais de uma dose para garantir uma defesa prolongada. Já as vacinas atenuadas, a exemplo da febre amarela e do sarampo, contêm vírus vivos (ou fragmentos de suas proteínas) que foram modificados e diminuídos em laboratório. “Nas pessoas com sistema imunológico normal, eles induzem a formação de anticorpos sem causar a doença”, explica o infectologista Jean Gorinchteyn, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (SP). O risco é para pessoas com sistema imunológico enfraquecido, idosos e gestantes, que podem desenvolver uma forma branda da doença.
7. E verdade que a vacina da gripe pode provocar a doença?
Não. Como explica o infectologista Jean Gorinchteyn, ela é formulada por pedaços de vírus inativados (mortos), incapazes de causar mal algum. Mas e aquela história de quem apresenta febre, dor no corpo e coriza depois de tomar a vacina? O efeito imunizante não é imediato: o organismo leva cerca de duas semanas para produzir anticorpos e ficar protegido. Ou seja, se a pessoa foi exposta ao vírus no período anterior, pode desenvolver a doença. “Além disso, às vezes surgem sintomas muito mais brandos que são atribuídos a um quadro de gripe, quando, na verdade, se trata de um resfriado”, afirma.
8. Devo dizer à criança que a vacina vai doer?
Para a psicóloga Rita Calegari, da Rede de Hospitais São Camilo (SP), a regra básica é não mentir – dizendo que vão passear ou fazer algo muito legal -, além de transmitir segurança: “Diga que estão indo cuidar da saúde e a picadinha pode doer, mas que será rápido e o pequeno é forte”. A forma como os pais lidam com o tema impacta no estado emocional e na autoestima dos filhos. Ela explica que, às vezes, o medo é incutido no dia a dia com frases ameaçadoras como: “Se não se comportar, vou levar você ao médico para tomar injeção”.
9. A criança pode tomar vacina mesmo se estiver doente? Ou quanto tempo é melhor aguardar?
A recomendação do Ministério da Saúde é que crianças com febre adiem a vacinação até que o quadro seja resolvido. Assim, não há o risco de atrapalhar o diagnóstico, atribuindo à vacina as manifestações de doença. De acordo com a pediatra Isabella Ballalai, resfriados e diarreias ou mesmo o uso de antibióticos não são contraindicações. “Vacinas com vírus vivo atenuado também devem ser evitadas em crianças com deficiências imunológicas, que podem ter uma forma leve da doença”, afirma. Em casos específicos como esse, procure a orientação do médico.
10. Existe mesmo relação entre as vacinas e o risco de autismo?
Não. O mito surgiu na década de 90, quando um estudo científico relacionou o transtorno do espectro autista a uma substância encontrada na vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola). O autor teve a licença médica cassada após novas pesquisas comprovarem que os resultados eram infundados. “Não existe nenhum indicador ou relação de causa e efeito entre a vacinação e o autismo”, afirma o neuropediatra Antônio Carlos de Farias, do Hospital Pequeno Príncipe (PR), citando um estudo dinamarquês publicado recentemente, que monitorou por uma década mais de 650 mil crianças. “E inacreditável que, depois de tantas evidências, isso ainda seja discutido.”
11. As vacinas devem ser tomadas em idades específicas para ter eficácia? Se der uma dose e perder o prazo das outras não faz efeito?
“A do rotavírus é a única vacina com limite de tempo para ser tomada”, afirma o pediatra Nelson Douglas Ejzenbaum, da Sociedade Brasileira de Pediatria. Tanto a versão monovalente da rede pública quanto a pentavalente, da privada, estipulam prazos para a primeira dose (que varia na rede pública e privada) e a última dose (até no máximo 7 meses e 29 dias). As outras vacinas podem ser administradas depois da idade recomendada, mas a criança ficará vulnerável às doenças enquanto isso. Da mesma forma, se os reforços das doses estiverem atrasados, ela não estará totalmente protegida.
12. Crianças com alergia ao leite de vaca e/ou ovo podem tomar todas as vacinas – inclusive a da gripe?
A única vacina contraindicada para alérgicos à proteína do leite de vaca é a tríplice viral (protege contra sarampo, caxumba e rubéola) disponível na rede pública. Os pais devem avisar sobre a condição da criança para que o posto aplique uma versão específica do imunizante que não contém a proteína. Segundo o Ministério da Saúde, alérgicos ao ovo de galinha podem ser imunizados contra a gripe. Apenas os casos severos, com histórico de reação anafilática, não devem receber a vacina contra febre amarela.
13. A vacina BCG tem de deixar marca para fazer efeito?
O consenso sobre a famosa marquinha mudou recentemente: estudos comprovaram a eficácia da imunização também em crianças que não ficaram com a cicatriz após a aplicação da BCG – responsável por proteger contra os tipos mais graves de tuberculose. Ou seja, de acordo com a recomendação atual da Organização Mundial da Saúde, não é preciso revaciná-las.
14. Se a criança já teve a doença, ela precisa ser vacinada mesmo assim?
Depende. Doenças como sarampo, rubéola, varicela (catapora) e hepatite A são imunizantes: significa que se a criança já teve, o organismo produziu anticorpos e ela não precisa ser vacinada. “Outras doenças, como a meningite, são causadas por diferentes tipos de vírus e bactérias, então a vacina continua sendo útil”, diz o pediatra Becker. Outro exemplo é a vacina da gripe, que protege contra o Influenza, um dos vírus mais perigosos, e que sofre mutações todos os anos. Por isso, é importante tomar a vacina atualizada.
15. É preciso dar a gotinha contra pólio se meu filho já recebeu a Salk? Qual a diferença entre elas?
De acordo com o Ministério da Saúde, sim. A criança deve tomar três doses injetáveis da Vacina Inativada Poliomielite (VIP) – aos dois, quatro e seis meses. Conhecida como Salk, ela é feita a partir de fragmentos mortos do vírus causador da pólio e considerada mais segura para bebês, que têm sistema imunológico enfraquecido. Pelo Calendário Nacional de Vacinação, são necessários reforços com a Vacina Oral Poliomielite (VOP) aos 15 meses e aos 4 anos. Essas “gotinhas” contêm o vírus atenuado, mas não há motivo para preocupação, já que a criança está previamente protegida pela Salk.
Fonte: Revista Crescer