Uma licitação de 430 mil frascos de Trastuzumabe levantou dúvidas de empresas sobre como o Ministério da Saúde irá administrar a troca de medicamentos biológicos por biossimilares, e vice-versa, para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os medicamentos biológicos são feitos a partir de um organismo vivo, como uma célula de bactéria, e possuem fabricação complexa. O biossimilar é uma versão parecida do biológico, feito após a patente do produto originador expirar. Estes produtos costumam ter alto custo e atender grupos menores de pacientes, o que impõe desafio a sistemas universais de saúde, como no Brasil.
O debate sobre a possibilidade de intercambialidade entre ambos é global. A dúvida é se há segurança em fazer a troca de forma parecida como ocorre entre medicamentos tradicionais e genéricos.
O ministério não possui política sobre o assunto, mas sinalizou às participantes da disputa que poderá abraçar a tese de que os produtos são intercambiáveis. A promessa era apresentar uma posição clara sobre as trocas ao final de grupo de trabalho formado na pasta em 2018, o que não foi feito.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma em nota técnica (íntegra) que a decisão deve ser do médico prescritor. Também defende uso racional dos medicamentos e aponta que o tema deve ser encarado pelo ministério.
Na licitação, o questionamento foi apresentado pela empresa Axis Biotec e reforçado pela farmacêutica Roche, que pediram impugnação do processo, entre outros pontos, pela falta de clareza sobre qual seria a posição do ministério.
“Para aquela parcela de pacientes que já se encontram em tratamento com um determinado produto biológico (inovador ou biossimilar), a manutenção do medicamento atualmente utilizado se impõe, já que uma eventual substituição automática para outro medicamento biológico (inovador ou biossimilar, a depender do caso) seria não apenas temerária, mas também irregular, do ponto de vista regulatório”, escreveu a Roche.
Em resposta (íntegra) às empresas, o ministério sinalizou que a decisão será conduzida por questões de preço. “No contexto do SUS e em observância às regras que regem as licitações e contratos (Lei nº 8.666/1996), a decisão pela intercambialidade centrada na decisão médica não pode ser aplicada”, disse. A pasta citou “experiências de outros países” em que a intercambialidade “é impulsionada pela redução de preços, inclusive sem a intervenção do médico que prescreveu”, como no Canadá, na Noruega e na Tunísia.
O Trastuzumabe é usado no tratamento de câncer de mama. Se o ministério decidir comprar todos os frascos, o investimento deve superar R$ 400 milhões, considerando preço que vem sendo praticado no SUS (cerca de R$ 930).
O pregão está marcado para 7 de março e deve atender a demanda de 2019 pelo produto. O edital foi lançado após o Tribunal de Contas da União (TCU) suspender compras com a PDP de Trastuzumabe da Tecpar. A AXIS Biotec e a Roche são parceiras do laboratório público.
Ministério vai impor a troca?
Esta foi a pergunta feita pelo JOTA ao ministério. Em nota, a pasta afirmou que levará em conta a segurança do paciente, mas não respondeu se poderá impor a troca:
“O Ministério da Saúde informa que segue as normativas legais vigentes. Neste caso, a RDC 55/2010, da Anvisa, que dispõe de normas para o registro dos medicamentos biossimilares, que se dá pela via da comparabilidade com o medicamento de referência; e a Lei nº 8.666/1996, que traz as regras que regem as licitações e contratos públicos. Desta forma, considerando a entrada dos biossimilares no país, pela agência reguladora, e em atendimento às normas vigentes para sua oferta no Sistema Único de Saúde (SUS), a pasta tem como prevalência, na compra de medicamentos, a segurança do usuário, o interesse público e a ampliação do acesso.”
A reportagem também perguntou sobre resultado de discussões de grupo de trabalho criado em 2018. O Ministério respondeu que “subsídios do GT apoiarão os avanços no debate”, mas não afirmou se há agenda definida sobre intercambialidade.
Pacientes também questionam
A Biored Brasil busca respostas do Ministério da Saúde sobre o pregão de Trastuzumabe desde o final de dezembro. A entidade que reúne associação de pacientes perguntou, em suma:
• Como o Ministério da Saúde pretende operacionalizar o fornecimento de produto diverso àquele eventualmente vencedor dessa e de outras licitações do gênero nos casos em que a intercambialidade não seja autorizada pelo médico assistente?
• Qual o quantitativo estimado de pessoas que já usam o Trastuzumabe (pessoas que, em tese, poderão receber indicação médica contrária à intercambialidade)?
• Qual a quantidade de frascos estimada, por marca, para atender a demanda que já está em uso do Trastuzumabe, considerando que cada paciente pode estar em fase diferente do respectivo esquema terapêutico?
Associações
O Grupo FarmaBrasil disse que apoia a decisão do Ministério da Saúde. Já a Interfarma enviou nota (íntegra) defendendo a decisão do médico de escolher o melhor tratamento. O Conselho Federal de Medicina (CFM) informa que não foi comunicado oficialmente desta situação, sendo que depende do envio de dados para analisar o caso.
Fonte: JOTA